Confira a Crônica da semana da Academia de Letras dos Campos Gerais: "Teresa Cristina"
Nas primeiras cartas que recebi o tratamento ainda era bastante formal. Ele só se referia a minha pessoa como Doutora Teresa Cristina. Recordo que estava desesperado procurando alguém que acertasse o diagnóstico do filho mais velho.
Ao examinar aquele rapaz franzino não pude deixar de perceber que o tronco e os membros superiores se movimentavam de forma abrupta e as contrações eram muito perceptíveis.
Estranho perceber que ele caminhava de forma exageradamente alegre e fazia muitas caretas que eram intercaladas com piscadas e um tique nasal que lhe parecia convulsionar.
Nunca havia visto algo tão bizarro em minha vida, mas de certa forma havia me comprometido em auxiliar no diagnóstico, porém não havia encontrado nem um caso semelhante.
Seguimos realizando exames e trocando cartas por quase dez anos. Foi quando finalmente o chamei e expliquei tratar-se de uma doença muito rara cujo prognóstico não seria bom. Na ocasião ele entrou em negação e preferiu acreditar que já havia recebido o diagnóstico correto de outro médico. Preferiu acreditar tratar-se de Tourette.
Quando recebi a última carta na qual me chamava carinhosamente de Doutora Tuca ele noticiou que o filho havia falecido e que já não controlava seus impulsos, tendo antes se tornado promíscuo e depois inerte e acamado.
No fim da carta lamentou o ocorrido e agradeceu por todos os anos de pesquisa. De forma estranha indagou por que meus pais haviam me colocado esse nome e reiterou que infelizmente não poderia pagar meus honorários mas que eu poderia dispor dos produtos de sua pequena venda.
Foi somente nesse momento que percebi de quão pequeno pedaço de terra eu havia brotado e passei a recordar dos meus ideais de menina: liberdade, igualdade e fraternidade. Recordei que carrego o nome de um pequeno município chamado Teresa Cristina, fundado às margens do Ivaí. Diziam os mais velhos que foi o primeiro modelo de cooperativismo implementado no país e inspirado em ideais do socialismo utópico de Charles Fourier.
Ao responder a carta três pensamentos não me deixavam: um deles, o diagnóstico não aceito que me veio à mente: doença de Huntington. Outro as próprias palavras de Marx: “Se a aparência e a essência das coisas coincidissem, a ciência seria desnecessária”.
Contudo o pensamento que mais me confortava é o de que o confronto da realidade com as utopias não pode destruí-las. Estas representam sonhos e realidades intangíveis que nos acalentam a alma.
Texto de autoria de Sílvia Maria Derbli Schafranski, advogada, Ponta Grossa, escrito no âmbito do projeto Crônicas dos Campos Gerais da Academia de Letras dos Campos Gerais
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