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Jornalismo da UEPG impacta com documentário sobre realidade travesti

O filme, feito em parceria com a ONG Renascer, conta a história das primeiras travestis de Ponta Grossa

Jornalismo da UEPG impacta com documentário sobre realidade travesti. Foto: Reprodução


É grande a repercussão na internet do documentário ‘Sobre Vivências Travestis’, produzido pelo projeto de extensão Elos – Jornalismo, Direitos Humanos e Formação Cidadã, do Curso de Jornalismo da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG).


O filme, feito em parceria com a ONG Renascer, conta a história das primeiras travestis de Ponta Grossa, Debora Lee e Fernanda Riquelme, e da militância que exercem junto à população LGBTQIA+. As narrativas revelam como as duas, em trajetórias diferentes, sobreviveram à repressão, à epidemia de HIV/Aids e às múltiplas violências que marcaram suas vidas, como estupro, pedofilia e transfobia.


‘Sobre Vivências Travestis’ teve como ponto de partida a sugestão da professora aposentada Joseli Maria Silva, do curso de Geografia da UEPG, pesquisadora de gênero e parceira do grupo Renascer. Foi ela quem levou a proposta de mostrar a história e o processo de envelhecimento de duas figuras emblemáticas do ativismo na cidade em uma produção audiovisual.


A proposta foi abraçada pelo projeto Elos, que começou as entrevistas e gravações em 2019. Mas o período da pandemia atrapalhou por completo, atrasando a produção e o lançamento. Neste ano, o trabalho foi retomado mesmo com alguns estudantes já formados, mas que decidiram seguir até o final. O lançamento do documentário foi feito no fim de novembro, em um evento do Auditório da Reitoria.


Até a data de publicação desta matéria, a produção já ultrapassou 125 mil visualizações no YouTube, com alcance orgânico e uma grande adesão em comentários e compartilhamentos. “A repercussão está superando e muito as expectativas, desde o começo a proposta era de fato fazer esse registro das histórias de vida das travestis, justamente pela invisibilidade que essas pessoas têm na sociedade”, comenta a professora Karina Janz Woitowicz, do curso de Jornalismo, e que participou da construção do roteiro e das entrevistas.


“Ao que parece o documentário tem circulado justamente nessas redes e instituições que têm preocupação com esse tema. O filme, sendo assim, acaba sendo uma forma de agregar e fazer essas conexões com pessoas que vivenciam realidades muito próximas, um espaço onde as pessoas compartilham experiências e a preocupação com o combate ao preconceito”, afirma Karina.


A perspectiva de vida de travestis e transexuais no Brasil é de 35 anos, enquanto a da população em geral é de 74,9 anos. O Brasil ocupa o topo do ranking mundial de violência contra este público. Os dados são do Dossiê: Assassinatos e Violência Contra Travestis e Transexuais Brasileiras, da Associação Nacional de Travestis e Transexuais do Brasil (Antra) e do Instituto Brasileiro Trans de Educação (IBTE).


Débora Lee e Fernanda Riquelme conseguiram superar essa expectativa de vida e têm, no filme, a chance de compartilhar esse processo de envelhecimento que acontece de uma forma diferente para as travestis, em razão de uma vida marcada por diversos episódios desfavoráveis e, na maioria das vezes, cruéis.


“Meu irmão matou minha mãe e depois se matou. Quando fui morar com meu pai, de 11 para 12 anos, eu já era afeminada, com trejeitos femininos. Muito tradicional e preconceituoso, de uma família de italianos, ele me jogou para fora. Fui para Caxias do Sul, morar com uma irmã. Ela e meu cunhado também perceberam que eu era afeminada e me jogaram para fora”, relembra a ativista Débora Lee no documentário.


Débora sobreviveu embaixo de uma marquise por dois meses, comendo resto de lixo. O local ficava perto de um ponto de prostituição de travestis. Em uma noite fria, de inverno, uma travesti chamada Cassandra Rios a convidou para ir para a casa dela. Na inocência, a criança aceitou o convite. “Chegando lá, em uma rua escura, vi umas trinta casas com luzes vermelhas acendendo e apagando. Ali, até os meus 16 anos eu fui aliciada, numa casa onde o cafetão fazia a gente beber cachaça e dançar com homens dia e noite, fazendo tudo que eles quisessem”.


Somente aos 16 anos Débora conseguiu fugir, durante uma batida policial. “Eu cai na prostituição na rua. Foi na época do final dos anos 1980, começo dos 1990, na epidemia da AIDS e dos assassinatos. Éramos em 80 travestis em Ponta Grossa e cada ano morria de 3 a 5, ou pelo vírus ou assassinada”.

Jornalismo da UEPG impacta com documentário sobre realidade travesti. Foto: Reprodução


“Nós temos nossa parcela de culpa, mas a maior parcela é da sociedade que nos ignora, nos exclui e nos joga à margem, sem direito algum, como corpos abjetos que não importam. Queremos oportunidade, um trabalho formal, porque sem condição de sustento e vida digna, não podemos ter inserção na educação. Como vamos procurar uma formação sem o mínimo de sobrevivência?” Débora Lee.


No filme, Débora relembra o episódio terrível de estupro que sofreu na região do cemitério central. “Dois caras me pegaram, encostaram a faca e me fizeram descer. Nisso já vieram mais dois, com um vidro de ‘tubão’ e me levaram para um terreno baldio. Das seis e meia até uma da madrugada eles fizeram rodízio comigo”.


Debora também sobreviveu a uma tentativa de assassinato com um tiro no pescoço. “O cara desceu do carro, me chamou de veado e pá! O tiro entrou pelo lado e saiu atrás do meu pescoço. E tinha também o preconceito, os fiéis saindo da igreja, gritando, xingando, jogando extintor e ovo na gente”.


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A virada de chave aconteceu com uma proposta de emprego da Fundação Municipal de Saúde pela capacitação que ela havia feito quando implantou o Grupo Renascer, em plena epidemia de AIDS, com objetivo de prestar assistência à população LGBTQIAP+, garantindo seus direitos básicos.


“Nossas travestis estavam sendo mortas pelo vírus e não tinham atendimento nenhum em Ponta Grossa. Aí eu me achei no direito de me capacitar e tive a oportunidade na nossa Fundação Municipal de Saúde, na área de das doenças sexualmente transmissíveis (DST), HIV/AIDS, hepatites virais e sífilis”. Ao conseguir o emprego, Débora Lee retomou os estudos e, em 2022, se formou em Serviço Social, sendo pioneira na área.


Já Fernanda Riquelme teve uma juventude diferente, amparada pelos pais e professores. “A minha família toda sempre falava que para gostar da gente, ter amizade e participar da nossa vida e da nossa casa, as pessoas tinham que me aceitar do jeito que eu era”, relembra no documentário.

Jornalismo da UEPG impacta com documentário sobre realidade travesti. Foto: Reprodução


“Fui a primeira travesti a surgir em Ponta Grossa, a primeira a colocar silicone. Eu era muito bonita, as pessoas queriam me conhecer e ver quem era aquela loira linda demais. Tinha pessoas que não acreditavam que eu era travesti”. Fernanda Riquelme.


Por muito tempo Fernanda foi a estrela principal de boates, dançando e dublando artistas de renome. “Em 1982 fui a primeira miss gay ponta-grossense”, compartilha com nostalgia. “Eu era admirada, tratada como um bibelô… sempre fui bem vista pela pessoa que eu fui, querida, companheira, alegre, comunicativa”.


Conciliando os estudos com o trabalho noturno, Fernanda Riquelme se formou em Administração de Empresas, momento que foi abafado pelo preconceito. “Na minha formatura me proibiram de me vestir como as mulheres, com vestidos lindos e longos. Queriam que eu fosse de terno e gravata. Eu sou feminina, como vou colocar terno e gravata? Deixei de ir à minha formatura e pegar o meu diploma por causa disso”.


Mas para ela, o choque de realidade aconteceu com a prisão e a condenação por um crime que afirma não ter cometido. “Em 1990, fui auxiliar uma amiga, a Tica, que cometeu um crime. Na época eu fui à delegacia e me apresentei porque eu estava junto. Eu fiquei 10 anos fechada dentro de uma penitenciária para pagar por um crime que não fiz”, lamenta. “Perdi minha juventude, o auge da minha beleza”.


Fernanda relata no filme a realidade violenta de ser a única travesti dentro de uma penitenciária para homens, mas, ao final, deixa uma mensagem de paz. “São histórias que ficaram para trás. Sou uma pessoa feliz, sou uma ativista e sempre vou ser”.

Jornalismo da UEPG impacta com documentário sobre realidade travesti. Foto: Reprodução


Ficha Técnica: ‘Sobre Vivências Travestis’

Produção: David Cândido Daniela Valenga Enaira Schoenberger João Pedro Santos Luiz Zak Matheus Rolim Matheus Gastaldon Paula Melani Rocha Rafael Santos


Edição: Angelo Eduardo Rocha David Cândido Enaira Schoenberger Maria Catharina Iavorski Matheus Rolim Patrícia Guedes


Pós edição: Angelo Eduardo Rocha


Roteiro: Angelo Eduardo Rocha Enaira Schoenberger Karina Janz Woitowicz Maria Catharina Iavorski Matheus Rolim Paula Melani Rocha

Entrevista: Karina Janz Woitowicz

Fotos: Matheus Rolim Vitória Rosa


Da Assessoria

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