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Inconfidências drummondianas

Confira a Crônica da semana da Academia de Letras dos Campos Gerais: "Inconfidências drummondianas"

Há muitos anos nasci em Ponta Grossa. Principalmente cresci em Ponta Grossa, no bairro de Olarias; por isso sou cinza, frágil, de barro.


A vontade de amar, que tanto lanha a minha alma, vem das paixões ponta-grossenses: as eternas namoradas Beatriz e Julieta saíram de puídos livros da biblioteca pública; as Princesas Sissi e Natasha saltaram da tela do Inajá para o meu reino do faz de conta; e Márcia e Ana Maria chegaram no grupo escolar e recheiam até hoje meu sortimento de memórias.


Uma rua de calçamento começa na linha do trem e vai dar no meu coração. Nessa rua passam os vagões da Rede levando os ferroviários com suas ralas marmitas para as Oficinas; passa o apito das indústrias Wagner avisando o bairro da hora do almoço e a nós crianças da hora do pesadelo, se houvesse bife de fígado no cardápio – até hoje não sei se minha mãe preparava essa iguaria por causa da nossa saúde ou da nossa penúria.


Passa também o grupo escolar com o jardim proibido e as flores que não sei o nome. E uma manhã morna de setembro quando minha redação sobre o dia da árvore foi a escolhida para leitura na rádio. E a fascinação ao entrar no estúdio e lê-la no “Jornal Falado HM” da PRJ2. E de como fui festejado pela minha mãe e pelo Zé Barbeiro na volta para casa (a Ana Maria nem me olhou no dia seguinte - pura dor de cotovelo).


Nessa rua passam meus pais, os vizinhos, os amigos novos e usados, os sonsos, as beatas, as freiras da creche, todos indo purgar os pecados na São Judas Tadeu; e nós coroinhas estrilando os sinos no altar para chamar a atenção dos fiéis, principalmente das meninas em flor.


Passa o casarão dos Ribas no calor de dezembro e a Dona Rute num piano martelando “O Senhor é Meu Pastor” e “Noite Feliz” para o nosso concerto mirim nas casas chiques da Paula Xavier e da Balduíno Taques. Em troca, guloseimas e garrafas de “Caçulinha” à vontade.


Uma rua começa no estádio do Olinda e vai dar na argila barrenta das sete olarias cujos oleiros, com suas mãos pesadas e ásperas, moldaram boa parte da cidade. A nossa preferida era a Cerâmica 12 de Outubro onde confeccionávamos pelotes da mais pura lama para a batalha que sempre perdíamos contra sanhaços, sabiás e tizius. Da cerâmica, só sobraram um portal caindo aos pedaços e uma cratera na qual antes havia o barro donde viemos e para onde espero demorar para voltar.


Sei que enterraram o bairro e um pedaço de mim junto. Não há mais linha férrea, calçamento, igreja de madeira, a cerâmica, o Wagner, a Dona Rute, a minha casa. Somente o menino ainda existe.


Texto de autoria de Ludo Santos, jornalista e bancário aposentado, natural de Ponta Grossa, residente em Curitiba, escrito no âmbito do projeto Crônicas dos Campos Gerais

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