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Havia um lobisomem

Confira a Crônica da semana da Academia de Letras dos Campos Gerais: "Havia um lobisomem"



Isso de diagnosticar lobisomem é coisa muito complicada, ciência cheia de requintes e sutilezas que ultrapassam largamente as luzes daqueles que nasceram por mão de médico, não de parteira, e que tendo adquirido seus conhecimentos em livros acham que sabem alguma coisa, mas fonte segura me relatou que existia um nos Campos Gerais, há tempos.


O sujeito não era irmão temporão de sete irmãs, fato talvez denunciativo de que era lobisomem de qualidade inferior, espécie de ovelha negra na família dos lupinos, mas lobisomem mesmo assim, useiro e vezeiro nas artes de uivar para a lua. Assim diziam os Munícipes, talvez prevenidos contra a circunstância de ser ele um celibatário já bem madurão, eremita contumaz e andasse todo empertigado pelas ruas, sem distribuir ou receber os cumprimentos que são o pedágio dessas localidades em que todos se conhecem por você.


Ninguém havia ainda se aventurado a tratar com ele do assunto delicado - isto é, o ser lobisomem -, e existia até mesmo uma vizinha que, menos por querer lhe prestar algum auxílio - se é que auxílio há pra situações tais - do que por pura matreirice, nutria o desejo de abordá-lo numa oportunidade qualquer e, com muito tato, insinuar o tema. Infelizmente, o homem-lobo não abria a guarda e foi ficando por isso mesmo.


Passaram anos e o dono da venda local - aliás, filho desta vizinha - no momento de cobrar do ermitão os mantimentos que ele comprava em datas incertas, encheu-se de si e resolveu quebrar de repelão o tabu: "é você que é o lobisomem?" - o sujeito assustou-se, desacostumado como estava ao ato de interagir face a face, e abriu para ele uns olhos enormes, farol alto mesmo, externalizando um pavor que só estimulou mais o outro: "dizem que você que é o lobisomem, hein, fala, lobisomem".


Arrependeu-se; a lua cheia seguinte foi a pior de sua vida de vendeiro. A madrugada toda, um cão enorme e vingativo rondou sua casa rosnando fundo e grosso, espalhando pelo vento uivos infernais. Com suas garras, abria nas paredes e no teto sulcos por onde enfiava presas imensas; seu bafo sulfuroso fez murcharem as plantas. As galinhas que predou foram em quantidade que nem se conta e suas pegadas derreteram o cimento da calçada.


Porém, mudanças. A partir da manhã seguinte, o eremita deixou de sê-lo. Vestiu-se de roupas claras, falou alto e aberto com os vizinhos, parece até que formou família. O monstro, por seu turno, jamais voltou. Ninguém entendeu ou quis entender. Diagnóstico de lobisomem é complicado mesmo.


Texto de autoria de Luiz Murilo Verussa Ramalho, servidor do Ministério Público Estadual, residente em Ponta Grossa, escrito no âmbito do projeto Crônicas dos Campos Gerais da Academia de Letras dos Campos Gerais

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