Participantes do Seminário Nacional Primeira Infância, que ocorreu nesta quinta-feira (11) na Câmara dos Deputados, defenderam a chamada parentalidade positiva
Participantes do Seminário Nacional Primeira Infância, que ocorreu nesta quinta-feira (11) na Câmara dos Deputados, defenderam a chamada parentalidade positiva – educação sem punição física ou violência psicológica – e também maior participação dos homens no cuidado. O debate foi promovido pela Comissão Externa de Políticas para a para a Primeira Infância, coordenada pela deputada Paula Belmonte (Cidadania-DF). Especialista da Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, Elisa Altafim explicou que parentalidade positiva são os comportamentos de mães e pais que visam atender às necessidades das crianças, protegendo e cuidando até que atinjam a maturidade, garantindo sua autonomia e capacidade de fazer escolhas. Entre as práticas parentais positivas estão o monitoramento, a disciplina positiva, o encorajamento de habilidades e o auxílio na resolução de problemas. As práticas negativas incluem punições físicas, violência psicológica verbal – gritar, bater e humilhar – e sexual.
Elisa citou relatório da Unicef apontando que 3 entre 4 crianças no mundo vivenciam práticas de disciplina violenta pelos seus cuidadores. Ela também chamou atenção para estudo realizado em 2019 pelo projeto Primeira Infância para Adultos Saudáveis (Pijas), do Ceará, com 7.038 cuidadores, em 16 municípios brasileiros, mostrando que 84% deles adotaram algum tipo de disciplina negativa: 73% colocam de castigo e 49% dão palmada.
Impactos da punição física Segundo a especialista, milhares de crianças são mortas ou feridas a cada ano por punição física, segundo dados do movimento End violance against children. O impacto negativo da punição física pode incluir transtornos mentais, como ansiedade e depressão, além impactos negativos no desenvolvimento cognitivo, como menor desempenho educacional. O impacto na relação pai-filho pode incluir rejeição e medo. A boa notícia, segundo ela, é que 63 países ao redor do mundo têm legislações contra a punição física de crianças.
No Brasil, em 2014 foi aprovada a chamada Lei Menino Bernardo que, além de proibir a punição física, aponta para o incentivo a políticas públicas como programas de parentalidade. Além disso, em 2016, foi aprovado o Marco Legal da Primeira Infância. Elisa Altafim apresentou estudos mostrando os impactos positivos no comportamento da criança a partir de práticas adotadas por cuidadores que participam programas de parentalidade. “Mudanças positivas na vida das crianças podem ser alcançadas através de uma maior atenção e fortalecimento de recursos e capacidade dos adultos e cuidadores das crianças”, disse.
Conhecimento e orçamento Coordenadora da Frente Parlamentar Mista da Primeira Infância, a deputada Leandre (PV-PR) ressaltou que não tem como cobrar das famílias aquilo que elas não conhecem e frisou a necessidade de se divulgar para a sociedade a importância dos primeiros anos de vida das crianças. Ela observa que o comportamento parental positivo varia de acordo com a renda familiar. “Na verdade, são menos frequentes em classe menos favorecidas. O Brasil tem legislação, mas a gente sabe a distância entre aquilo que está no papel e aquilo que está na prática. A gente precisa acima de tudo promover uma mudança cultural”, afirmou.
Ao falar da atuação da frente parlamentar, Leandre citou a discussão sobre a proposta de licença parental (PL 1974/21), para garantir a oportunidade para homens e mulheres dividirem cuidados com recém-nascidos, e a luta para garantir orçamento para políticas para a primeira infância, incluindo a proibição, na Lei de Diretrizes Orçamentárias LDO para 2022, do contingenciamento de recursos para a primeira infância.
A deputada Angela Amin (PP-SC) defendeu a criação de indicadores que acompanhem a parentalidade e sua relação com o desenvolvimento infantil, o que pode auxiliar numa gestão dos riscos para as crianças. “Saber onde a criança está, como ela se comporta, como é a família, como é o ambiente escolar”, esclareceu. A parlamentar disse que esses indicadores devem ser aplicados às políticas públicas.
Licença paternidade O deputado Dr. Zacharias Calil (DEM-GO) acredita que a licença paternidade atual desfavorece o vínculo inicial da criança com o pai e reforça que a responsabilidade com a criança é da mãe. “Cinco dias atendem basicamente aqueles aspectos burocráticos do pós-parto, como registro da criança, a primeira vacina, algum suporte para a mãe em casa. Não é um período suficiente para um tempo de qualidade e contato afetivo com essa criança”, disse. Na visão do deputado, mesmo os 20 dias previstos no Programa Empresa Cidadão são insuficientes. Ele defendeu que o governo promova campanhas sobre a paternidade.
O empreendedor social Leandro Ziotto, fundador da empresa 4daddy - que produz conteúdo sobre o papel dos homens na educação dos filhos -, observou que o Programa Empresa Cidadão só tem hoje 30 mil empresas inscritas, num universo de 200 mil que poderiam participar. Ele ressaltou ainda que os homens são protagonistas da violência contra crianças e adolescentes e que, como parte do problema, podem ser parte da solução. Na opinião dele, políticas públicas devem estimular e proporcionar a inclusão dos homens no cuidado já a partir do pré-natal. Ele falou ainda da importância de fraldários no banheiro masculino e de banheiros familiares, para que homens possam sair sozinhos com seus filhos pequenos. “As mulheres não ocuparão o espaço público se o homem não ocupar o espaço doméstico”, apontou.
Coordenador de programas da Organização Promundo, Luciano Ramos também defendeu a inclusão da figura paterna no cuidado e na proteção. A organização oferece programa para conscientizar os homens de que eles têm a capacidade de cuidado e para capacitar os homens para o exercício da paternidade. Ele observou que os homens não foram educados para cuidar e hoje têm o privilégio de decidir se participam ou não da paternidade – fruto direto do machismo.
Segurança alimentar O deputado Osmar Terra (MDB-RS) afirmou que o programa do governo Criança Feliz, que tem o objetivo de apoiar e acompanhar o desenvolvimento infantil integral na primeira infância (crianças de 0 a 6 anos), inclui a educação familiar, para envolver o pai nos cuidados da criança. Ele acredita que os pais devem ser orientados para ter um relacionamento responsivo com as crianças, fortalecer habilidades delas e reduzir o estresse infantil. Ele considera ainda que programas como Bolsa Família e o recém-criado Auxílio Brasil ajudam nesse sentido, já que a insegurança alimentar é um dos fatores de estresse infantil.
Osmar Terra observou que o aumento da licença paternidade foi rejeitado pelos parlamentares na votação do Marco Legal da Primeira Infância. “A pressão das empresas foi grande para não aprovar a medida”, apontou.
Mães presas A deputada Carla Dickson (Pros-RN), por sua vez, defendeu o direito à maternidade das mães encarceradas, incluindo o pré-natal e a amamentação. A Constituição brasileira determina que às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação.
A advogada Ana Cifali, do Instituto Alana, lembrou que o Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu habeas corpus coletivo para determinar a substituição da prisão preventiva por domiciliar de mulheres presas gestantes, puérperas ou mães de crianças de até 12 anos ou de pessoas com deficiência. O PL 3644/19, que tramita na Câmara, prevê a substituição, a critério do juiz, da prisão preventiva pela prisão domiciliar para mães que amamentam. Segundo Ana Cifali, somente 14% dos estabelecimentos penais têm espaços reservados para gestantes e lactantes e que as prisões não são espaços adequados nem para elas nem para crianças em geral.
De acordo com Ana Cifali, crianças com pais encarcerados têm maior vulnerabilidade social e devem ser objeto de políticas públicas específicas para diminuir os efeitos da situação. “Em pesquisa realizada pela Fiocruz, é possível verificar que a prisão especialmente da mãe tem efeito devastador sobre os filhos. Metade das mulheres presas não tinham companheiros. E muitas das que têm companheiros são abandonadas após o cárcere. Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), 90% dessas mulheres são responsáveis pelo sustento da casa. Sem elas, é muito comum que as crianças sejam encaminhadas ao acolhimento institucional e sejam privadas de vínculos familiares e comunitários”, informou.
Diretora do departamento de Promoção da Dignidade da Mulher da Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Elizabeth Ferreira apresentou dados de 2019 mostrando que existem 36 mil mulheres encarceradas no Brasil, o que representa 5% da população prisional. Das presas que cumpriam penas provisórias em 2019, 77 eram grávidas, 20 puérperas, e 3.136 mães de crianças até 12 anos. “A secretaria vê como muito importante trabalhar políticas públicas para que mulheres privadas de liberdade possam ter espaço mais acolhedor, com dignidade e humanidade para ter contato com seus filhos”, disse.
Fonte: Agência Câmara de Notícias
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