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Entre anjos e demônios

Confira a Crônica da semana da Academia de Letras dos Campos Gerais: "Entre anjos e demônios"


Pela minha altura, quase 2 metros, nem todo muro é capaz de me ocultar totalmente aquilo que está cercando. E, com o Cemitério São José, não é diferente.


No canto da Rua Balduíno Taques com a Travessa Santa Cruz, o muro chega ao seu ponto mais baixo em relação à rua. Sempre que passava por ali, visualizava os túmulos daquele quadrante por sobre ele.


Percebeste o verbo no passado? Entenderás.


Em um final de tarde, quase anoitecendo, luzes urbanas já acesas, logo após atravessar a Tv. Santa Cruz, como de costume, aproximei-me do muro para comtemplar a única coisa que é certa nesta vida. Aquela diversidade de túmulos e imagens que o cemitério reflete, me aproxima da necessidade de viver, e viver bem.


Atraso o passo, quase paro, e entrevejo pelos túmulos certo movimento. Alguém visitando o passado, alguém visitando seu futuro talvez, pensei cá comigo. Mas me chama a atenção a claridade de um dos visitantes e a obscuridade de outro. Um quase brilhava, o outro fundia-se lugubremente aos túmulos.


Parei. Atentamente fitei aquela cena, buscando em toda minha racionalidade, explicações plausíveis. Sem tirar conclusões precipitadas, raciocinei. Olhei para a calçada externa ao cemitério, percebi-me absolutamente só. Não havia uma viva alma naquelas calçadas e os carros pareciam simplesmente não existir.

Novamente olho para o cemitério. Os estranhos visitantes se faziam mais distantes, porém olhavam em minha direção. Tento mirar seus olhos, porém um arrepio profundo me percorre o corpo todo, um arrepio de medo, de horror. São olhos claros, brilhantes, capazes de serem vistos mesmo no escuro, porém sem vida.


Neste momento, minha racionalidade se esvai, e vejo que ambos os seres não tocam o chão. Um gemido surge de dentro do cemitério, e uma terceira pessoa aparece, sem brilho, sem roupa, sem cor. Os três se entreolham e o que surgiu depois é abraçado pelo ser brilhante. Todos somem na penumbra diante de mim.


Entendeste agora o verbo no passado?


Nunca mais passei caminhando naquela calçada, tampouco espiando para dentro do Campo Santo. Mesmo de carro, procuro sempre o lado da esquerda na Balduíno. E, quando entro no cemitério por necessidades óbvias, não vou mais até aquele canto.


Mas, pensando bem, racionalizando, se é possível, algum desses um dia vir me buscar também. Será?


Texto de autoria de Mário Francisco Oberst Pavelec, técnico em agropecuária, residente em Ponta Grossa, escrito no âmbito do projeto Crônicas dos Campos Gerais da Academia de Letras dos Campos Gerais

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