Confira a Crônica da semana da Academia de Letras dos Campos Gerais: "Casa que habita em mim"
A casa da minha infância era um casarão caiado, de madeira falquejada, na beira da rua, de terra batida. O telheiro era de tabuinhas de pinheiro, não havia banheiro, o banho era de bacia no quarto onde a gente dormia. Portas e janelas com tramelas. A cozinha era o palco, com fogão a lenha, onde a minha avozinha narrava seus causos, lugar preferido da casa, em que a gente mais ficava, curiosas para ouvir os causos de visagens que ela nos contava.
No quintal havia uma fornalha, o dia de assar pães era sempre uma festa para nós, crianças, desde o início do fogo até os pães ficarem prontos — não arredávamos os pés do quintal, o cheiro da fumaça e o aroma do pão assado mesclavam-se com o perfume das flores cultivadas pela avozinha, ao redor da casa. Era para nós um momento especial. Nos arredores do casarão havia muitas árvores frondosas, fazíamos perigosas incursões em seus galhos.
À noite, as tábuas das paredes falavam — entre estalos dialogavam. Pelas frestas da parede o vento entrava uivando pela casa — debaixo das cobertas a gente suava frio de medo. Antes do sono chegar não contávamos carneirinhos, a contagem era dos sarrafos nas paredes do quarto.
Assim, cultivei sentimentos — memória afetiva, por esses espaços singulares de habitação, que, com zelo e manutenção resistem ao tempo; quando uma tábua padece, troca-se, tudo nela é dedicação e carinho, uma casa de madeira é como um ninho, sempre é possível uma transformação para maior conforto.
Participei de um grupo de desenhos ao ar livre; em nossos encontros, conheci e retratei memoráveis habitações de madeira, de nossa cidade, muitas construídas por imigrantes: poloneses, alemães, italianos e ucranianos.
Em Ponta Grossa foram construídas dezenas de casas de madeira, entre as décadas de 1920 até 1950, uma época em que a madeira era farta e a concretude ainda não tinha invadido os sonhos de moradia das pessoas. As casas eram românticas, as varandas, convite para um chimarrão no fim da tarde. Beirais com belíssimos lambrequins como adornos, quintais conservados, com plantas da época, jardins ao redor da casa. Arquiteturas que transmitem significado de existências passadas. Mãos talentosas de imigrantes, mestres carpinteiros, que deixaram um legado precioso em nossa região.
Casas que conservam a essência de seus habitantes, marcas de humanidade em suas dependências. São legados do passado, que logo deixarão de fazer parte do nosso cenário urbano.
Texto de autoria de Lenita Stark, artista visual, Ponta Grossa, escrito no âmbito do projeto Crônicas dos Campos Gerais da Academia de Letras dos Campos Gerais
Gratidão à ALCG e CULTURAÇAO pela publicação da minha crônica.